A obra é
fruto de uma palestra proferida em 06 de junho de 2007. Trata do
sistema jurídico e judicial estatal com vistas a uma revolução
democrática do direito e da justiça. Para tanto é necessário que haja a
inclusão, nessa discussão, da inclusão da democratização do Estado e da
Sociedade.
O
direito para ser exercido democraticamente tem de se assentar numa
cultura democrática, no entanto tais condições se nos demonstram muito
difíceis, vez que há uma distância que separa os direitos formalmente
concebidos das práticas sociais que os violam, e de outro lado a
crescente organização, por parte das vítimas, com o fito de reclamarem,
individual ou coletivamente, junto aos tribunais.
O
fato é que a frustração sistemática das expectativas democráticas pode
levar à desistência da democracia e do papel do direito na construção
dessa democracia. Num contexto em que as sociedades são cada vez mais
desiguais socialmente, as classes populares tendem a ter mais
consciência social dessa injustiça, clamando por direitos à igualdade e à
diferença.
Na
maior parte do século XX o Judiciário figurou como mero aplicador das
leis, o que propiciou o um maior crescimento da burocracia de do Poder
Executivo, que por sua vez transformou aquele em mero órgão para o poder
político controlar. Enquanto de um lado as elites governantes inibiam
qualquer interferência na legislação, com o objetivo de não prejudicar o
modo de organização da produção, os regimes autoritários não se
interessavam no fortalecimento do Judiciário, com o objetivo de evitar
interferência em suas práticas repressivas.
No
entanto, a partir da década de 80 houve uma forte proeminência do
sistema judicial, com as agências de ajuda internacional dando
prioridade para as reformas, visando à construção do Estado de Direito
em muitos países em desenvolvimento. Tal protagonismo deu-se,
principalmente, com o desmantelamento do Estado Intervencionista (quer
na senda desenvolvimentista, quer na senda do bem-estar social), e se
assenta na idéia de que as sociedades estão calcadas no primado do
Direito, e que estes não funcionam eficazmente sem um sistema judicial
eficiente, eficaz, justo e independente.
Porém,
para que tal sistema seja possível há de se fazer grandes
investimentos, seja na dignificação das profissões jurídicas e
judiciárias, seja em criação de modelos que tornem o Sistema Judiciário
mais eficiente, nas reformas processuais ou na formação de magistrados e
funcionários.
Tais
investimentos foram feitos, principalmente, através de um modelo de
desenvolvimento baseado nas regras de mercado e nos contratos privados,
com o fito de garantir estabilidade aos negócios, buscando um Judiciário
mais eficaz, rápido e independente.
Porém,
de outro lado, com a precarização dos direitos econômicos e sociais,
tendo e vista o desmantelamento do Estado Intervencionista, verifica-se
uma maior litigação junto aos Tribunais. No Brasil, após a CF/88, houve
uma ampliação do rol de direitos, aumentando a expectativa dos cidadãos
de verem cumpridos tais direitos, diante de uma maior credibilidade do
uso da via judicial. Ocorre, portanto, uma substituição do sistema da
administração pública pelo sistema judicial, com o fito de tornar real
essa prestação social. Verifica-se, pois, um deslocamento de
legitimidade do Poder Executivo e do Poder Legislativo para o Poder
Judiciário, esperando que este resolva os problemas que o sistema
político não consegue, alavancando-o, consequentemente, a uma maior
visibilidade e tornando-o refém dos meios de comunicação social.
Outra
razão para o protagonismo do Poder Judiciário é a questão da corrupção,
desenvolvida em duas perspectivas: 1) luta jurídica e judiciária contra
a corrupção; 2) luta contra a corrupção dentro do Judiciário. Tal
questão requer investimentos maciços, com o objetivo de baixar os
índices de corrupção dentro do judiciário, tais como, alteração do
padrão de remuneração, medidas implementadoras de maior independência
com controle interno e externo, bem como outras formas de reorganização
do Poder Judicial. Por óbvio tais medidas tende a aumentar a
controvérsia política em torno dos Tribunais, uma vez que estes não
foram feitos para julgar para cima, ou seja, os poderosos, e sim para
julgar para baixo. Dessa forma ocorre o que o autor chama de
“judicialização da política”, que tem como consequência a politização do
Judiciário, tornando-o mais visível e mais vulnerável politicamente.
O autor identifica no Judiciário dois grandes campos:
1)
campo hegemônico: é o campo dos negócios, dos interesses econômicos,
que reclama um sistema que dê segurança jurídica e garanta a salvaguarda
dos direitos de propriedade. É nesse campo que se concentra grande
parte das reformas do Judiciário. Os protagonistas desse campo são o
Banco Mundial, o FMI e as grandes agências de ajuda ao desenvolvimento.
Assim, há áreas no Judiciário consideradas importantes e outras não. A
formação dos magistrados deve ser orientada fundamentalmente par as
necessidades da economia. As reformas são orientadas quase que
exclusivamente pela idéia de rapidez.
Ora,
não se pode perder de vista que uma justiça rápida pode ser uma má
justiça, bem como há uma tendência desta ser célere para aqueles que
sabem que a interpretação do direito vai no sentido que favorece seus
interesses.
2)
campo contra-hegemônico: é o campo dos cidadãos que veem no direito e
nos tribunais um instrumento importante para fazer reivindicar os seus
direitos e justas aspirações a serem incluídos no contrato social.
Feito
esse intróito, o autor propõe um sistema de transformação recíproca,
jurídico-política, tendo como vetores especiais dessa transformação:
Profundas reformas processuais;
Novos mecanismos e protagonismos no acesso ao direito e à justiça;
Nova organização e gestão judiciária;
Novo modelo na formação do magistrado, desde as faculdades de direito até a formação permanente;
Nova concepção de independência judicial;
Relação
mais transparente com os meios de comunicação e com o poder político e
mais densa como os movimentos e organizações sociais;
Cultura mais democrática e não corporativista.
O
autor considera todos os vetores necessários, diante das seguintes
dimensões de injustiças: sócio-econômica, racial, sexual,
étnico-cultural, cognitiva, ambiental e histórica. Ademais, considera
que o Judiciário encontra-se premido pelo seguinte dilema: não assumindo
sua quota-parte de responsabilidade continuará sendo independente do
ponto de vista corporativista, mas será cada vez mais irrelevante tanto
social como politicamente; em assumindo, aumentará o nível de tensão e
conflito, tanto internamente quanto com os outros Poderes.
I – Reforma processual e morosidade
O
autor identifica dois tipos de morosidade: 1) sistêmica: aquela que
decorre da burocracia, do positivismo e do legalismo; e 2) ativa: aquela
que decorre de obstáculos impostos pelos operadores do sistema judicial
(magistrados, funcionários ou partes), para impedir a sequencia normal
dos procedimentos desfechem o caso, por exemplo, engavetamento, ações
protelatórias, etc. Tal morosidade não se atém apenas aos operadores do
sistema judicial, mas também alcança a administração pública em geral.
A
reforma incide sobre a morosidade sistêmica, dessa forma busca uma
justiça mais rápida, porém não necessariamente cidadã; ao revés, o
esperado pela revolução democrática da justiça é que haja não apenas
celeridade (quantidade da justiça), mas responsabilidade social
(qualidade da justiça).
II – Acesso à justiça
A
primeira questão a ser abordada pelo autor é sobre as custas
processuais que extremamente variáveis, sem um critério racional que
justifique tal disparidade. Assim, o papel das defensorias públicas se
afiguram como relevante, havendo a necessidade de mudança na cultura de
consulta jurídica, de assistência e patrocínio judiciário.
Outra
questão abordada refere-se à experiência das Promotoras Legais
Populares, que consiste em socializar, articular e capacitar mulheres
nas áreas de direito, da justiça e no combate à discriminação de gênero.
Tal experiência já existe em Porto Alegre e São Paulo (Taubaté, São
José dos Campos e Capital).
Mais
uma questão abordada pelo autor trata-se das Assessorias Jurídicas
Universitárias Populares, que consiste na importância da utilização da
ação de direitos coletivos em associação com movimentos sociais e
organizações populares. Tal experiência já existe na UNB, na UFMG,
PUCRS, UFC (Ceará) e UFBA. Mais uma
questão abordada pelo autor trata-se da capacitação jurídica de líderes
comunitários, que se refere a programas governamentais e não-
governamentais voltados para a preparação de integrantes da comunidade
como mediadores na solução de conflitos locais. Tal experiência
governamental já existe no Distrito Federal (Ceilândia e Taguatinga) e
no TJ do Acre; bem como não-governamentalmente por meio do Jus Populi na
Bahia.
Outra
questão abordada refere-se à Advocacia Popular, que consiste para atuar
em conflitos estruturais (violência política, terra, recursos
naturais), bem como para a efetivação de direitos coletivos. Tal
experiência já existe por meio da Rede Nacional de Advogados e Advogadas
Populares, Associação da Advogados dos Trabalhadores Rurais, Comissão
Pastoral da Terra, bem como de ONG’s, como a ACESSO – Cidadania e
Direitos Humanos e da Terra de Direitos, entre outras.
III – Inovações Institucionais
A
idéia central proposta pelo autor é a de construir uma justiça
democrática de proximidade. Salienta nesse espeque a Justiça Itinerante,
a Justiça Comunitária, dos meios alternativos de solução de litígios,
da mediação, da conciliação judicial e extrajudicial, da justiça
restaurativa e dos Juizados Especiais. Quanto a este último, o autor
entende que este valoriza os critérios de autocomposição, da equidade,
da oralidade, da economia processual e da celeridade, sendo de
fundamental importância para uma justiça de proximidade, mas faz crítica
quanto ao seu desempenho, que julga precisar ser melhorado, ademais
denunciando que estudos revelam pouco acordo nesses juizados e que a
presença do juiz torna as coisas ainda mais difíceis.
IV – Formação dos Magistrados e cultura jurídica
O
autor afirma que para realizar este projeto político-jurídico é
necessário mudar completamente a formação de todos os operadores de
direito: funcionários, MP, Juízes e Advogados.
Entre
os Magistrados distingue-se a formação inicial da formação permanente;
aquela obtida na faculdade de direito, esta concernente a uma formação
específica, que se ausente importará na má aplicação da lei.
O
autor fez um retrato do magistrado brasileiro: domina uma cultura
normativista, técnico-burocrática, assente em 3 idéias: 1) autonomia do
direito; 2) o direito é diferente de tudo o que ocorre na sociedade; 3) o
direito é autônomo à essa sociedade. Essa cultura se manifesta das
seguintes formas: 1) Prioridade do direito civil e penal, que são dois
ramos do direito que garantem a imagem da autonomia do direito; 2)
Cultura generalista, onde se tem a idéia de que o magistrado por ter
competência para resolver litígios, tem competência para resolver todos
os litígios; 3) Desresponsabilização sistêmica, em que se baseia que a
autonomia do direito é a autonomia do aplicador do direito, o leva a uma
certa desresponsabilização perante os maus resultados do sistema
judicial; 4) Privilégio do poder, onde não consegue ver os agentes do
poder em geral como cidadãos comuns com iguais direitos e deveres,
importando em um medo de julgar os poderosos como cidadãos comuns; 5)
Refúgio burocrático, que é a preferência por tudo o que é institucional,
burocraticamente formatado; 6) Sociedade longe, ou seja, conhece bem o
direito e sua relação com os autos, mas não conhece a relação dos autos
com a realidade; 7) Independência como auto-suficiência, ou seja,
aversão enorme ao trabalho de equipe, ausência de gestão por objetivos
no tribunal, oposição à colaboração interdisciplinar, idéia de
auto-suficiência que não permite aprender com outros saberes.
Outra
questão abordada refere-se à necessária revolução nas faculdades de
direito que, com a tentativa de eliminação de qualquer elemento
extra-normativo, criaram uma cultura de indiferença ou exterioridade do
direito diante das mudanças experimentadas pela sociedade. Dessa maneira
o aluno é mero receptor de informações e repeti-la literalmente
demonstrará o aprendizado do conteúdo. Assim, ignora-se a leitura
cruzada entre o ordenamento jurídico e as práticas e problemas sociais,
encerrando o conhecimento nas leis e nos códigos. A transformação nas
faculdades de direito também passa pela formação dos professores que não
têm preparação pedagógica, sendo selecionados pelo critério da prática
profissional.
A
renovação e modernização dos cursos de direito tem surgido nos níveis
de pós-graduação, contudo essas experiências que resistem ao modelo
hegemônico não são socializadas e ficam restritas à própria instituição
(exemplo, “o direito achado na rua” – José Geraldo de Sousa Júnior –
UnB).
O
autor entende que a educação jurídica deve ser uma educação
intercultural, interdisciplinar e profundamente imbuída da idéia de
responsabilidade cidadã.
Mais
uma questão abordada pelo autor trata-se das Escolas de Magistratura,
que correm o risco de reproduzir e aprofundar os erros da graduação.
Dessa forma propõe que para algumas áreas do exercício judicial não é
necessário uma formação jurídica de base (ex. na área de menores e
família), sendo necessário formação complementar.
Outra
questão é a interdisciplinaridade que se revela importante para que o
juiz possa decidir adequadamente as novas questões complexas que exigem
mais conhecimento de outras áreas do que jurídicos.
V – Os tribunais e os movimentos sociais
Estruturado
de forma piramidal controlada no vértice por um pequeno grupo de juízes
de alto escalão, cultuando o prestígio e a influência social, bem como
fortalecendo o espírito corporativista, mantendo um distanciamento em
relação à esfera pública e às organizações sociais, o Judiciário
contribui para o seu isolamento social. Tal panorama acirra uma
discussão sobre os mecanismos de controle democrático da magistratura.
A
imposição de rapidez leva o juiz à rotina, tendendo a evitar os
processos que obriguem a decisões mais complexas. Dessa forma o sistema
de avaliação dos magistrados tem que ser modificado, vez que é avaliado
por quantidade de despacho que profere e não pela qualidade das
sentenças.
VI – Os tribunais e a mídia
Nesse
tópico o autor analisa que o problema dos julgamentos paralelos
realizados pelos meios de comunicação social, por meio da investigação
jornalística, pode ajudar a investigação judicial, porém pode provocar
erros ou desvios, quer por intenção das fontes, quer pelo modo como a
notícia reflete negativamente na investigação e na confiabilidade das
provas. Assim, nua sociedade info-democrática, a administração da
justiça será mais legitimada pelo cidadão quanto mais conhecida e
reconhecida por eles. Os tribunais e a mídia são essenciais para o
aprofundamento da democracia, mas é fundamental estabelecer formas de
coabitação no mesmo espaço social.
VII – A cultura jurídica e a independência judicial
A
independência foi criada para que o tribunal possa defender interesses
dos cidadãos e não interesses de classe, sendo necessário, ao contrário
do que possa se pensar, o controle externo do Poder Judicial. Desta
forma, não haverá justiça mais próxima ao cidadão se os cidadãos não se
sentirem mais próximos da justiça.
CONCLUSÃO:
Não pode haver uma justiça democrática numa sociedade não democrática e
não podemos ter uma sociedade democrática numa sociedade tão desigual.
Sem direitos de cidadania efetivos, a democracia é uma ditadura mal
disfarçada.
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